CARLOS MARTINS
Escuta: Um Manifesto Pela Desaceleração
Todo o mundo é som e a constituição última da matéria é vibração. Podemos olhar para o lado, mas não podemos escutar para o lado. Por isso quis trabalhar a escuta através deste ritual de fotografar que estimulasse uma presença auditiva consciente nos lugares onde cada revelação instantânea maquinal, não manipulável, produz um som que sedimenta todos os sons em redor captados por um gravador áudio profissional. As fotos seguem mais um fio auditivo do que visual e por isso a composição dos ambientes sónicos, disponíveis via Código QR, é essencial para despertar um outro olhar sobre as imagens.
A organização das polaroides foi pensada como momentos sónicos, num mapeamento que remete as imagens para segundo plano ilustrando, pobremente, a passagem fugaz pelo mundo e pela consciência do universo. Este pode ser um caminho para compensar a normalização criada pelo excesso
de cultura visual. É essencial reabilitar o “ser auditivo” através das narrativas polissémicas da música, dos ambientes sónicos e dos comportamentos expressivos associados, para não banalizar o mundo sonoro à espera de releitura e recomposição. A escuta permite dar tempo à vida interior, dar voz ao outro, ao mundo para se abrir ao vagar e à criação, às diversas ecologias e ao ser para se espiritualizar, e, neste sentido, é um manifesto pela desaceleração. Testemunham, estes sons e imagens, a falência dos modelos baseados no antropocentrismo e sugerem que precisamos de tempo e espaço para recompor em conjunto uma visão holística do mundo, mais cuidada, menos medrosa e mais livre.
Esta instalação sonora-visual é um ecossistema que se inspira nos primórdios da vida, no duplo vagar alentejano, do mar-planície onde o Cante ecoa o Mediterrâneo e nos ritmos e territórios acústicos urbanos. Ao usar ambientes sonoros em contraposição às imagens sobrepus outros minimalismos às paisagens visuais de cada instante que vibram em conjunto porque estão entrelaçadas na minha imaginação. Tanto as imagens como as sonosferas pertencem também a outros mundos de quem andou por outros lugares, levando o que tinha e trazendo o que generosamente lhe ensinaram, regressando sempre a este coro de sons-palavras-imagens unidos pelo Tejo.
Num ambiente que produza mais generosidade, agilidade e permeabilidade nas relações entre pessoas, que ajude a pacificar os ânimos acelerados e exaltados da vida colectiva e que proteja o nosso planeta, o som e a música, mais ainda do que qualquer outra arte, podem ajudar-nos pela escuta vagarosa a recompor os mundos de forma inclusiva. Não sendo fotógrafo, nem artista visual, ainda menos alcanço esse vagar pela lente da polaroide, mas sinto-me muito grato por ter havido paciência para me apressar lentamente neste processo.
Aprendi ao fotografar que sou um ser essencialmente auditivo. Tenho passado a vida a construir “um templo no ouvido”, um universo de vibrações que ilumina as mãos e os sonhos, sem descurar o olhar e outros prazerosos sentidos que a natureza generosamente nos deu.
Carlos Martins
Outubro, 2024
Polaroid Sound Map
As duas imagens remetem para o som
(É aconselhado o uso de headphones para acompanhamento da coleção)