André Gomes

“...um medo permanente de isto ter acabado.”

São de Lobo Antunes estas palavras gravadas nas fotografias. Fizeram a capa do suplemento cultural de um jornal, há dez anos. Referia-se o escritor, assim o entendi, às angustiantes dificuldades dos trabalhos inerentes ao acto criativo. Povoar o vazio, desmascarar as sombras, desmoronar o absurdo, com a consistência da energia carnal das "vozes interiores", são alguns dos campos de batalha diários daquele que à escrita se entrega.

Dez anos passaram sobre estas palavras que não esqueci, e posso dizer agora, que o meu sentimento perante as tragédias sem fim que estamos a viver, ampliou essas palavras para lá do contexto a que se referiam, à dimensão de uma vasta profecia que inexoravelmente se cumpre. Não teremos, como era habitual neste Outono, obra nova. O autor de tão sofridas ficções atravessa a última porta antes da noite escura. O Mundo, como o conhecíamos, parece ter acabado.

 

André Gomes
Lisboa, 1 de Outubro, 2024