João Botelho
FOTOGRAFIAS IMPERFEITAS?
AINDA BEM.
A pedido da editora "A Regra do Jogo", no início dos anos '70 do século passado, organizei graficamente uma coleção de livros de poesia. A seguir à capa, simples e austera, estava na folha de rosto, colada em dois cantos (assim se podia arrancar), uma reprodução de uma fotografia vinda dessa máquina prodigiosa. As pequenas tiragens permitiam esse luxo e, como de poemas se tratavam, céus e mares e árvores em cores suaves de tons "pastel" eram sistema simbólico encontrado.
Quando Fernando Gonçalves me convidou para esta série de vinte e quatro fotografias que agora vos apresento, não fazia a mínima ideia do que iria acontecer. Depois da bela invenção das "Selfies?" do Pedro (Cabrita Reis) e da delicadeza do trabalho da Luisa (Costa Gomes), era eu o "terceiro" desta estranha aventura.
Parece fácil e fascinante, mas a Polaroid é perigosa e traiçoeira. A luz do sol queima até ao insuportável branco, a falta de luz traz de imediato o terrível negro.
Composição do estúdio? Não há tempo. Equilíbrio? Como, se eu sou desequilibrado. E a mão treme, o visor não coincide com a objetiva, nem a luz, nem o quadro é o que eu espreito, o meu olhar, o meu ato de escolha, nunca aparecia quando a imagem se ia formando e finalmente se fixava. Confesso que as primeiras seis ou sete fotografias foram despejadas no lixo. A partir daí passei a aceitar e até a gostar das enormes surpresas. Atrevi-me a compor, a corrigir com manchas de tinta acrílica (quão difícil é trabalhar essa matéria que não é suave e se mistura mal!), organizando depois as imagens obtidas num raio de menos de quinhentos metros a partir de minha casa, por cores e temas, metonímia e não metáforas, como no cinema de que eu gosto.
E a segunda confissão, talvez a mais importante, foi o aparecimento, como magnífica dádiva, de dois fantasmas: um a partir de um tronco deitado no Jardim Botânico, outro, a partir de uma pintura na parede de uma igreja, cuja inteira responsabilidade é dessa extraordinária máquina da fixidez dos instantes e não minha, garanto-vos.
João Botelho, no princípio de Maio de 2023, em Lisboa